ITBI na incorporação de imóveis como integralização de capital social – Tema 796 do STF e a interpretação equivocada dos Municípios

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ITBI na incorporação de imóveis como integralização de capital social – Tema 796 do STF e a interpretação equivocada dos Municípios

ITBI E A INCORPORAÇÃO DE IMÓVEIS EM REALIZAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL – EQUIVOCADA INTERPRETAÇÃO DOS MUNICÍPIOS QUANTO O ALCANCE DO TEMA 796 DO STF – IMPOSSIBILIDADE DE TRIBUTAÇÃO PELO VALOR DE MERCADO DO IMÓVEL

 

Em planejamentos tributários e sucessórios é muito comum a utilização das chamadas “holdings patrimoniais”, que nada mais são do que pessoas jurídicas constituídas para gerir os bens imóveis dos seus sócios, visando com isso economia tributária, como no caso de receitas de locação e venda de bens, como também facilitar a transmissão em vida dos bens aos herdeiros.

Para a constituição destas pessoas jurídicas os seus sócios incorporam a ela os bens imóveis de sua propriedade em realização/integralização do capital social por eles subscrito, passando assim a deterem as cotas da sociedade, enquanto esta última passa a ser a proprietária dos imóveis.

Considerando-se que neste caso há uma transmissão “inter vivos”, por ato oneroso, de bens imóveis, há, em tese, a incidência do ITBI – Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis de competência dos Municípios previsto no inc. II do art. 156 da Constituição Federal.

                                                         Ocorre que o inc. I do § 2º do citado art. 156 da Constituição prevê hipóteses de imunidade deste imposto, ao dispor que o ITBI não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo, se nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.

 Ou seja, caso os imóveis sejam incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em realização do seu capital social, não poderá haver a incidência do ITBI, pois se trata de transmissão alcançada pela imunidade Constitucional, desde que esta sociedade não tenha como atividade preponderante a compra e venda destes bens ou a locação de bens imóveis.

Não vamos aqui adentrar na discussão de que a parte final do referido inc. I do § 2º do art. 156 da Constituição somente se aplicaria aos casos de transmissão de imóveis decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica, e que por isso a incorporação de imóveis em realização de capital estaria imune ao ITBI mesmo no caso de sociedade com atividade imobiliária preponderante.

Esta questão acabou sendo abordada no voto do Ministro Relator no julgamento do Tema 796 pelo STF, mas não era exatamente o objeto do respectivo recurso extraordinário, já que o caso concreto dizia respeito a tributação pelo ITBI da parcela do imóvel incorporado à pessoa jurídica não como integralização de capital social, mas sim como reserva de capital.

De qualquer forma, caberá aos Tribunais, e em última instância ao próprio STF, esclarecer se referida questão foi efetivamente enfrentada de forma a criar um precedente vinculativo aos demais órgãos do Poder Judiciário ou não.

Neste artigo vamos analisar o alcance da tese fixada pelo STF ao julgar o Tema 796, pois os Municípios estão interpretando de forma equivocada este precedente, pretendendo com isso exigir ITBI sobre a diferença entre o valor pelo qual o imóvel foi incorporado na pessoa jurídica em realização de capital social e o seu valor de mercado.

Para fins desta análise vamos considerar que a sociedade na qual o imóvel foi incorporado em realização de capital social não tem como objeto social a atividade imobiliária, já que neste caso há dúvidas sobre a imunidade do ITBI, como visto acima.

Assim, no caso de uma empresa que tenha como objeto social a exploração da atividade rural, cujo capital social foi integralizado pelos sócios com o respectivo imóvel rural, não poderia haver a incidência do ITBI na transmissão deste imóvel, haja vista que a Constituição é expressa ao prever a imunidade nesta hipótese (inc. I do § 2º do art. 156).

Os sócios, de acordo com o disposto no art. 23 da Lei nº 9.249/95, podem optar em realizar a incorporação do imóvel na pessoa jurídica pelo seu valor histórico /nominal constante das suas declarações de imposto de renda, ou pelo seu valor de mercado, sendo que neste último caso será apurado ganho de capital com o pagamento do imposto de renda correspondente.

Em qualquer destas hipóteses não poderá haver incidência do ITBI se o valor total do imóvel, seja ele histórico ou de mercado, estiver sendo destinado à integralização do capital social da sociedade subscrito pelos sócios.

Exemplificando, se o valor do capital social subscrito pelo sócio for de R$ 500.000,00, e o valor histórico do imóvel constante da sua respectiva declaração do imposto de renda também for de R$ 500.000,0, e ele faça a opção de incorporar este imóvel pelo valor da declaração, não poderá haver tributação pelo ITBI, pois todo o valor do imóvel foi destinado ao pagamento do capital social.

Por outro lado, caso o valor de mercado deste imóvel seja de R$ 1.000.000,00, e o capital social subscrito a ser integralizado também seja  de R$ 1.000.000,00, e o sócio decida fazer a incorporação do imóvel por este valor de mercado, também não poderá haver tributação pelo ITBI, pois todo o valor do imóvel foi utilizado para a integralização do capital social.

Neste último caso será devido apenas imposto de renda sobre o ganho de capital auferido pelo sócio, calculado entre a diferença do valor do imóvel constante da sua declaração do IR (R$ 500.000,00) e o valor pelo qual ele foi incorporado na pessoa jurídica para fins de integralização do capital social (R$ 1.000.000,00), pois, didaticamente, o sócio comprou cotas sociais no valor de um milhão com um imóvel que estava declarado por quinhentos mil reais.

Disto resulta que pouco interessa o valor pelo qual o imóvel foi incorporado na pessoa jurídica em realização de capital social, pois em qualquer hipótese esta transmissão estará imune da tributação pelo ITBI, haja vista que assim dispõe expressamente a Constituição Federal.

Ao julgar o Tema 796 (RE 796.376) o STF nada mais fez do que confirmar esta imunidade, mas, a tese que foi fixada relativa a este tema não refletiu exatamente o que foi por ele decidido e o caso concreto analisado, dando assim possibilidade para os Municípios interpretarem esta tese a seu favor e pretenderem tributar pelo ITBI a diferença entre o valor pelo qual o imóvel foi incorporado na pessoa jurídica em realização do capital social e o seu valor de mercado, o que efetivamente não é possível e não foi autorizado pelo STF.

 

Com efeito, a tese de repercussão geral resultante do julgamento do Tema 796 foi assim fixada pelo STF:

 

“A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado.”

Numa leitura rápida da tese, e sem examinar o inteiro teor do acórdão que deu origem a ela, de fato parece que o STF teria autorizado a tributação pelo ITBI da diferença entre o valor do bem incorporado na pessoa jurídica em realização do capital social e o seu valor de mercado, ou seja, aquela parcela do valor do imóvel que estaria excedendo o limite do capital social integralizado.

De acordo com esta interpretação, e se utilizando do exemplo dado acima, seria possível que o Município cobrasse ITBI sobre o valor de R$ 500.000,00, pois o imóvel foi incorporado na pessoa jurídica em realização/integralização  de capital social pelo valor de R$ 500.000,00, mas o seu valor de mercado seria de R$ 1.000.000,00, então sobre este valor do imóvel de quinhentos mil,  que excede o limite do capital social integralizado, poderia haver a incidência do referido imposto.

Desta forma têm sido a interpretação dos Municípios quanto à tese fixada no Tema 796 de repercussão geral do STF, mas, no entanto, não é isto o que de fato foi decidido pela Suprema Corte neste caso.

Ao se analisar o inteiro teor do acórdão que deu origem a esta tese de repercussão geral é possível se verificar que esta interpretação é absolutamente equivocada, e não corresponde ao que foi decidido no caso concreto julgado, cujas circunstâncias fáticas são totalmente diferentes.

 

Do voto do Ministro Alexandre de Moraes, relator para o acórdão do citado RE 796.376 que deu origem ao Tem 796, ficou mais do que evidenciado o fato de que a imunidade do ITBI no caso de incorporação de imóveis ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital abrange o valor total do imóvel utilizado para tanto, podendo haver a incidência do ITBI somente na hipótese de parte do valor do imóvel não ter sido destinado à integralização do capital, e, portanto, ter sido contabilizado como reserva de capital, como ocorreu no caso concreto analisado pelo STF, verbis:

 

“…

Na origem, Lusframa Participações Societárias Ltda. impetrou mandado de segurança, com pedido liminar, contra ato do Secretário da Fazenda Municipal de São João Batista/SC, que reconheceu apenas parcialmente a imunidade do ITBI sobre os imóveis incorporados ao patrimônio da impetrante a título de realização de capital, exigindo o tributo sobre a diferença entre o valor do capital social e o dos bens transferidos.

Informou que (a) foi constituída em maio de 2010, com objeto social determinado para participação societária e acionária em outras empresas, e representação comercial por conta própria ou de terceiros; (b) o capital social da empresa é R$ 24.000,00, e foi integralizado mediante bens imóveis (17 imóveis) cujo valor total (R$ 802.724,00) é superior ao do capital social; e (c) a autoridade coatora se nega a emitir guia de Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) com imunidade integral na transferência dos bens, conforme previsão do art. 156 da Constituição Federal de 1988 e art. 36 do Código Tributário Nacional, sob o argumento de que a imunidade atinge somente o montante do capital social da empresa a ser integralizado.

 …

OU SEJA, A EXCEÇÃO PREVISTA NA PARTE FINAL DO INCISO I, DO § 2º, DO ART. 156 DA CF/88 NADA TEM A VER COM A IMUNIDADE REFERIDA NA PRIMEIRA PARTE DESSE INCISO.

REITERE-SE, AS HIPÓTESES EXCEPCIONAIS ALI INSCRITAS NÃO ALUDEM À IMUNIDADE PREVISTA NA PRIMEIRA PARTE DO DISPOSITIVO. ESTA É INCONDICIONADA, DESDE QUE, POR ÓBVIO, REFIRA-SE À CONFERÊNCIA DE BENS PARA INTEGRALIZAR CAPITAL SUBSCRITO.

Revelaria interpretação extensiva a exegese que pretendesse albergar, sob o manto da imunidade, os imóveis incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica que não fossem destinados à integralização do capital subscrito, e sim a outro objetivo – como, no caso presente, em que se destina o valor excedente à formação de reserva de capital.

Disso decorre, logicamente, que, sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o valor do capital subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI, pois a imunidade está voltada ao valor destinado à integralização do capital social, que é feita quando os sócios

quitam as quotas subscritas.

Por outro lado, nada impede que os sócios ou os acionistas contribuam com quantia superior ao montante por eles subscrito, e que o contrato social preveja que essa parcela será classificada como reserva de capital. Essa convenção se insere na autonomia de vontade dos subscritores.

O que não se admite é que, a pretexto de criar-se uma reserva de capital, pretenda-se imunizar o valor dos imóveis excedente às quotas subscritas, ao arrepio da norma constitucional e em prejuízo ao Fisco municipal.

Ainda que o preceito constitucional em apreço tenha por finalidade incentivar a livre iniciativa, estimular o empreendedorismo, promover a capitalização e o desenvolvimento das empresas, não chega ao ponto de imunizar imóvel cuja destinação escapa da finalidade da norma.

No caso concreto, a diferença entre o valor do capital social e os imóveis incorporados é de R$ 778.724,00. É de indagar-se a razão pela qual uma empresa, cujo capital social é de R$ 24.000,00, pretende constituir uma reserva de capital em montante tão superior ao seu capital, e, sobretudo, livre do pagamento de imposto.

Assim, não cabe conferir interpretação extensiva à imunidade do ITBI, de modo a alcançar o excesso entre o valor do imóvel incorporado e o limite do capital social a ser integralizado.

…” 

(voto vencedor do Ministro relator Alexandre de Moraes proferido no julgamento do RE 796.376)

 

O voto do Ministro Alexandre de Moraes acima transcrito não deixa dúvidas de que no caso concreto analisado pelo STF no julgamento do Tema 796 os imóveis foram incorporados à pessoa jurídica pelo valor de R$ 802.724,00, sendo que o capital social subscrito era de apenas R$ 24.000,00, sendo que o próprio contrato social da empresa deixou explicitado que a diferença entre os valores (R$ 778.724,00) seria destinada à reserva de capital, ou seja, não foi utilizado para fins de integralização do capital social, e, exatamente por isso, não estava alcançada pela imunidade do ITBI, já que a CF/88 imunizou apenas o valor do imóvel transmitido para fins de realização/integralização do capital social, e não a parcela deste imóvel que eventualmente seja destinada a reserva de capital.

Veja-se que o STF, em momento algum, decidiu pela possibilidade de se tributar pelo ITBI a diferença entre o valor pelo qual o imóvel foi incorporado à pessoa jurídica em realização de capital social e o seu valor de mercado, conforme os Municípios vêm entendendo, tendo apenas decidido pela possibilidade da tributação pelo referido imposto da parcela do valor do imóvel que não tenha sido destinada à integralização do capital social, ou seja, que tenha sido contabilizada como reserva de capital.

Assim, pouco importa o valor de mercado do imóvel, pois, se o valor total pelo qual ele foi incorporado na pessoa jurídica (seja valor histórico da declaração do IR seja valor de mercado) for destinado integralmente para fins de realização/integralização do capital social subscrito pelos sócios esta transmissão é imune ao ITBI, mas, caso uma parte do valor do imóvel seja destinada a reserva de capital, esta sofrerá a incidência deste imposto.

Foi isto que o STF efetivamente decidiu com relação ao Tema 796, cuja leitura apenas da tese fixada pode induzir o intérprete em erro, sendo, portanto, de fundamental importância a análise do inteiro teor do acórdão para que se possa verificar exatamente o alcance da decisão e sua correta aplicação ao caso concreto, evitando-se com isso exigência de ITBI de forma indevida.

Em conclusão, pode-se afirmar que caso o valor total do imóvel seja incorporado na pessoa jurídica em realização/integralização de capital social, e esta sociedade não tenha como atividade preponderante a compra e venda destes bens ou locação de imóveis, com a ressalva feita neste texto, não poderá haver qualquer exigência de ITBI, pois se trata de transmissão imune a este imposto, o qual somente poderá ser exigido sobre eventual parcela do valor do imóvel que não seja destinado para a integralização do capital social, mas sim para reserva de capital.

By |2022-02-17T15:42:53+00:00fevereiro 17th, 2022|Categories: Notícias|Tags: , , |Comentários desativados em ITBI na incorporação de imóveis como integralização de capital social – Tema 796 do STF e a interpretação equivocada dos Municípios

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